Jornalista com larga experiência e com trabalho na Vogue, LuxWoman e NAU XXI, Miguel Somsen faz com o Gentleman’s Journal uma introdução à questão da elegância como expressão da identidade de cada homem.
O que faz um homem ser elegante?
Elegância é a consciência de si próprio, o conforto de sermos o que somos sem nos conformarmos com o que somos. É uma partida e uma chegada, é a procura incessante e a noção de que já encontrámos, é o ambicionar a perfeição e amarmos as imperfeições. Para mim, que durante uma vida inteira fui deselegante, só encontrei uma certa paz estética quando retirei tudo o que era barroco ou ansiedade no meu outfit. O regresso à base foi a essência e a recuperação da quintessência. Deixei de ocultar os defeitos de fabrico, preferi trabalhá-los ou requalificá-los, transformando os vértices em carisma, conforto e personalidade. Ora a personalidade só se obtém quando estamos absolutamente tranquilos com o que somos, quando retiramos os efeitos que durante tanto tempo apenas serviram para ocultar a nossa natureza.
Portanto, a elegância está sempre na cabeça e só depois no corpo. Está sempre cá dentro e só depois se projecta para fora. Agora ou nunca.
Quais são as peças imprescindíveis no guarda-roupa masculino?
Nesta altura? As peças imprescindíveis são as peças que me sirvam. E as peças que me digam: tu és hoje, não és ontem. Sim, é terrível pensar que peças que pagámos com os olhos da cara não têm hoje qualquer valor ou elegância, tornaram-se obsoletas. Isso leva-me a pensar que talvez não valha a pena gastar tanto numa realidade que sabemos vir a ser rapidamente descartada. Daí um regresso à base, ao que permanece: as calças slim fit, que realçam a minha figura, as camisas clássicas, que nunca comprometem o homem, o blazer ou trenchcoat, para sobressair os 1.95 cm em vez de os fazer esconder. A gravata de Inverno, essencial para marcar uma presença e um rigor. Por regra, deixei de usar t-shirts, pólos. Pullovers só em caso extremo. O meu espelho são as fotos antigas de um tempo em que achava que estava à frente e afinal era apenas ridículo. Os ténis foram substituídos por keds, incluindo os sucedâneos. As botas por brogues, calçado leve mas com graça.
Tem role models na elegância masculina? Figuras que o inspirem?
Tenho. Mas eles são anónimos, não precisam de ter nome, andam por aí, vão a festas respeitando o dresscode ou a época, vestem as pessoas que são, são as pessoas que aprenderam a ser, mantiveram a curiosidade sobre o mundo que os rodeia, não são arrogantes nem gongóricos, flutuam em vez de tropeçarem. Não precisam de tatuagens porque todos eles são uma assinatura. Confesso no entanto que as figuras que mais me inspiram ainda são os erros de casting que vemos por aí. Essa mistura de desleixo e despreocupação juvenil por atacado, a obsessão pelo streetwear e o surfmode não fica bem a todos. Na verdade fica mal à maioria. Mas é a farda e camuflagem dos tempos modernos. E sabemos como os homens gostam de desaparecer na multidão.
O homem português é um homem exigente com a moda? Haverá um maior cuidado pela aparência nestes últimos anos?
Há um maior cuidado, mas não uma especial cautela. O padrão de exigência subiu. O poder de compra também. Os preços estão baixos. A roupa está em todo o lado. Muitos homens já se vestem sozinhos. Os menos hábeis recorrem a opiniões da comunidade, do comércio ou da namorada. O sistema funciona, os portugueses são mais felizes, mais desprendidos, mais elegantes. A partir de agora deixa de haver desculpas para vestires as calças de 2006, o blusão de 1998 ou as jardineiras do teu tio. Sim, ele serve-te. Mas tu já és outra pessoa. Tu não és o teu tio.